A Inteligência Artificial já interage em todas as fases do ciclo de desenvolvimento de software, oferecendo ganhos reais desde o planejamento até a melhoria contínua dos produtos. Na fase de levantamento de requisitos, por exemplo, ferramentas de NLP — técnica que une Ciência de Dados, Inteligência Artificial e Linguística para permitir que os dados “entendam” a linguagem humana — ajudam a sintetizar entrevistas com usuários e extrair insights que muitas vezes se perdem na comunicação convencional. No entanto, é essencial lembrar que a qualidade desse mapeamento depende da validação humana, o que traz o risco de vieses só detectados mais adiante.
Ao avançarmos para o design da solução, assistentes inteligentes conseguem transformar descrições em protótipos de interface e até sugerir padrões arquiteturais. Embora a automação acelere o processo criativo, é fundamental garantir que esses artefatos estejam alinhados à visão de negócio e à experiência do cliente — assegurando que o produto final seja não só tecnicamente viável, mas também estrategicamente relevante.
Na fase de codificação, a produtividade cresce exponencialmente. Com apenas um prompt ou o toque de uma tecla, blocos inteiros de código são gerados. Porém, o efeito colateral dessa praticidade tem sido o aumento expressivo da duplicação de trechos — hoje, há um volume dez vezes maior de código repetido em comparação a dois anos atrás, e menor movimentação para módulos reutilizáveis. Esse cenário tende a tornar os repositórios mais pesados, elevar a dívida técnica e comprometer a agilidade das entregas futuras.
Nos testes e na produção, as mesmas soluções de IA criam cenários de uso e simulam diferentes cargas, antecipando falhas antes que cheguem ao usuário final. Mesmo assim, dados de mercado mostram que muitos desenvolvedores têm gastado mais tempo depurando e corrigindo falhas geradas automaticamente do que aproveitando os ganhos de produtividade. A estabilidade das entregas, inclusive, pode cair de forma perceptível quando não se utilizam métricas de longo prazo, como tempo médio para resolução de incidentes ou frequência de refatorações.
Existe, também, um impacto financeiro: cada trecho de código copiado duplica os custos de armazenamento na nuvem, testa vários pontos ao mesmo tempo e aumenta a chance de defeitos que exigem retrabalho. Estudos acadêmicos associam essa prática, conhecida como “clone coding”, a um crescimento constante na taxa de erros. Isso significa mais horas de manutenção e, consequentemente, menos recursos disponíveis para iniciativas estratégicas.
Ainda que a IA ofereça atalhos valiosos, é essencial promover uma cultura de governança que equilibre automação e supervisão humana. Enxergar o cenário completo, revisar módulos legados, consolidar lógicas repetidas e adotar métricas de sustentabilidade são práticas que garantem que o uso da IA resulte em inovação duradoura e não apenas numa corrida por entregas imediatas.
Joel Backshat, Technical Fellow na FCamara.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais