Na superfície, o avanço acelerado do setor de data centers no Brasil parece simbolizar progresso tecnológico e independência digital. Com promessas de investimentos bilionários e discursos governamentais entusiasmados, o país se apresenta como um potencial protagonista no mercado global da tecnologia da informação. Porém, um olhar crítico revela riscos significativos nessa expansão tecnológica.
Recentemente, o governo brasileiro anunciou planos ambiciosos com o “Plano Nacional de Data Centers”. Segundo o vice-presidente Geraldo Alckmin, a medida provisória regulamentadora está “praticamente formulada” e promete atrair até R$ 2 trilhões em investimentos nos próximos dez anos. Segundo dados da Mordor Intelligence, o mercado global de data centers está estimado em US$ 69,63 bilhões em 2025 e deve atingir US$ 132,66 bilhões até 2030, com um CAGR de 13,76% no período de 2025 a 2030 . Além disso, o mercado de transformação de data centers, que inclui serviços como consolidação, automação e otimização, está projetado para crescer de US$ 21,09 bilhões em 2025 para US$ 32,98 bilhões em 2030, com um CAGR de 9,35%
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem buscado ativamente investimentos internacionais, dialogando com grandes players tecnológicos na Califórnia e na China. Empresas como Amazon, Google e Microsoft confirmaram investimentos expressivos: a Amazon AWS planeja investir cerca de US$ 1,8 bilhão até 2034; a Microsoft anunciou investimentos de US$ 2,7 bilhões nos próximos três anos; e o Google Cloud continua ampliando sua presença no país, conforme apontado pela GlobeNewswire.
Enquanto isso, a Ascenty, adquirida pela americana Digital Realty, opera atualmente 19 data centers no Brasil, enquanto a Equinix mantém um número significativo de instalações no país. Novos players como Scala DC, com capacidade estimada em mais de 100 MW, e ODATA também estão ampliando sua presença significativamente, todos com fortes vínculos internacionais, segundo dados da Datacenters.com.
Entretanto, o predomínio do setor por empresas internacionais suscita preocupações quanto à soberania tecnológica. Afinal, ainda que fisicamente esses equipamentos estejam localizados no Brasil, fatores críticos como a governança, o controle dos dados e as decisões estratégicas permanecem sob gestão externa. Dessa forma, o Brasil pode se tornar ainda mais dependente dessas empresas em atividades estratégicas, como processamento e armazenamento de dados, fornecimento de serviços essenciais (como computação em nuvem, inteligência artificial e análise de dados) e até mesmo segurança da informação.
Ambientalmente, embora o Brasil ofereça uma matriz energética predominantemente renovável (84% da eletricidade gerada em 2023 proveniente de fontes renováveis, segundo o IMARC Group), o rápido crescimento dos data centers aumenta o consumo energético e hídrico, potencializando riscos ambientais em regiões já pressionadas por escassez de recursos. Segundo a Jones Lang LaSalle, o treinamento e a operação de modelos de IA exigem até dez vezes mais energia que pesquisas tradicionais na internet, exacerbando ainda mais essas demandas.
Outro desafio crítico apontado por especialistas do setor é a infraestrutura elétrica brasileira, que enfrenta dificuldades em acompanhar a crescente demanda dos novos data centers. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem alertado sobre riscos significativos de sobrecarga nas redes elétricas, com alguns projetos de grande porte, como o do Complexo do Pecém no Ceará, com investimento de R$ 50 bilhões, já exigindo reforços estruturais expressivos nas redes de transmissão. Estima-se que, em 12 anos, o consumo total dos data centers no país alcance 2,5 GW. Atualmente, são 181 data centers no Brasil, número que poderá chegar a 500 até 2034, aumentando ainda mais a pressão sobre a infraestrutura energética nacional.
Além disso, a concentração geográfica do setor permanece fortemente centrada em São Paulo, que lidera em investimentos e capacidade instalada nacional. Empresas como Ascenty, Equinix, ODATA, Scala Data Centers e Elea Data Centers têm presença significativa no estado. Ainda que existam iniciativas importantes de expansão em outras regiões, incluindo cidades como Fortaleza, Brasília e Rio de Janeiro, além de movimentações recentes em estados do Sul e Nordeste, essas ações ainda são modestas frente à predominância paulista.
Em resumo, embora a expansão dos data centers no Brasil traga claras oportunidades para o desenvolvimento tecnológico e econômico, é fundamental avaliar cuidadosamente os impactos ambientais, sociais e estruturais desse processo, questionando se tais investimentos efetivamente fortalecem a autonomia tecnológica nacional ou apenas perpetuam uma nova forma de dependência tecnológica e econômica externa. Caso a instalação desses data centers não seja acompanhada por políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional em áreas estratégicas, como hardware, software e serviços digitais, o valor intelectual e tecnológico continuará concentrado nos países-sede das empresas, limitando, assim, o avanço da indústria tecnológica brasileira. Nesse cenário, o país permanecerá apenas como fornecedor de infraestrutura física (terrenos, energia e água), assumindo todos os riscos ambientais e econômicos inerentes a essa condição. Portanto, torna-se crucial a implementação de políticas estratégicas que assegurem uma verdadeira soberania digital para o Brasil.
Jhonata Emerick, Cofundador e CEO da Datarisk.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais