No início desta semana, o vídeo de um cadeirante circulando em meio aos carros em uma das avenidas mais movimentadas de Nitério (RJ) viralizou nas redes sociais.
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As imagens, feitas por ocupantes de um carro que estava logo atrás, mostram o homem em meio aos carros com uma cadeira de rodas tradicional, mas com um sistema adaptado para motorização. O cadeirante também portava capacete, mochila e agasalho, como se estivesse realmente pilotando uma moto ou triciclo.
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Com a repercussão do caso, a Prefeitura de Niterói, através Niterói Trânsito S.A. (NitTrans), divulgou um um comunicado esclarecendo alguns pontos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), alegando e comprovando a ilegalidade da situação.
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O artigo 96 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) não classifica a cadeira de rodas como um veículo, o que impossibilita a utilização do mesmo em uma via urbana destinada para carros e motocicletas.
Cadeirantes se enquadram como “pedestre” para CTB, portanto é indicada a circulação apenas em calçadas, passeios e acostamentos, sempre que possível — guarde esta última parte.
Além disso, a NitTrans também alertou sobre as modificações realizadas pelo cadeirante, alegando que são incompatíveis com as normas viárias e podem gerar riscos ao “condutor” — apesar dessa “transformação” ser legalizada pelo Inmetro e muito comum entre os cadeirantes.
Conduta irregular ou falta de acessibilidade?
O vídeo viralizado rendeu muitas críticas ao cadeirante, citando fatos sobre sua segurança e de outras pessoas que também estão circulando pela via. Em contrapartida, o que poucos talvez saibam é que ele pode não ter feito isso para gerar engajamento.
A falta de mobilidade e acessibilidade ainda é ponto muito sensível no Brasil (e no mundo). Pessoas com deficiência, principalmente com mobilidade reduzida, sofrem diariamente com a falta de programas voltados à sua locomoção.
Em entrevista ao CT Auto, Ricardo Shimosakai, que também é cadeirante, comentou sobre o fato ocorrido e a falta de acessibilidade nas calçadas brasileiras. Ele é especialista em mobilidade e inclusão, e atualmente está cursando mestrado em turismo na Universidade de São Paulo (USP).

Para Ricardo, o cadeirante está cometendo um ato ilegal, isso é inegável. Mas a falta de acessibilidade também deve ser colocada em pauta:
“É claro que, legalmente, a pessoa está errada. Ela está se arriscando. Mas está errado também outra parte: a falta de acessibilidade. As calçadas, dependendo do lugar, são péssimas, tornando impossível a passagem com a cadeira.”
Este caso em específico pode não se enquadrar no que o especialista fala, mas é muito comum vermos pela rua calçadas mal-acabadas, com diversas irregularidades, sendo difícil até a passagem de pessoas sem problemas de mobilidade.
Shimosakai também afirma que a utilização da rua por cadeirantes é muito comum, devido a falta de estrutura nas calçadas do país.“Eu mesmo ando pela rua. Vamos dizer que estou sendo displicente, porque às vezes é possível andar pela calçada, mas a pavimentação da rua acaba sendo muito melhor”, comentou o homem.
O especialista diz que não faria o mesmo que o cadeirante do vídeo, mas afirma que as dificuldades são muito grandes quando pessoas com mobilidade tentam fazer tudo “certinho”. “Esperar que se ajeitem as calçadas é uma ilusão”, acrescentou.
Obstáculos e falta de estrutura
Além da má qualidade das calçadas brasileiras, pessoas com mobilidade reduzida ainda sofrem com outro tipo de obstáculos, como: carros estacionados em locais proibidos, lixos na guia e os mais variados objetos “largados” em locais proibidos..
Isso torna a acessibilidade para estas pessoas ainda pior, dificultando a circulação livre pelas ruas.
Para Ricardo, a acessibilidade melhorou muito desde de 2001 — ano em que ficou paralítico após ser baleado na coluna durante um sequestro relâmpago. Segundo ele, no começo era necessário ficar mais de uma hora no ponto esperando um ônibus que fosse capaz de transportar uma cadeira de rodas. Isso na cidade de São Paulo.
O especialista usa o transporte público paulista como exemplo, que oferece uma vasta lista de recursos para pessoas com deficiência, principalmente cadeirantes.
Os ônibus da cidade possuem um sistema e um lugar específico para pessoas com deficiência, mas para apenas uma pessoa. “Se estiver eu e mais um colega, nós teremos que ir em ônibus diferentes”, disse o especialista.

Entretanto, mesmo com ônibus e metrô adaptados, como um cadeirante chegará sozinho até uma estação ou parada de ônibus se as calçadas e pavimentos estão completamente deteriorados e repleto de obstáculos?
“Quando você quer ir até um lugar, a primeira coisa é a forma como você vai. Mas como você sai de casa e chega até o ponto (de ônibus) com calçadas esburacadas, sem rebaixamento de guias”, disse Shimosakai.
Essa falta de estrutura “justifica” a utilização da via pública como forma de locomoção por cadeirantes, ainda que seja ilegal.
Luta por melhorias
Nessa luta por melhorias de acessibilidade, Shimosakai afirma que é necessário uma fiscalização e a realização de denúncias por parte dos próprios deficientes:
“Não precisa ter fiscalização da prefeitura. Os fiscais têm que ser nós, as próprias pessoas com deficiência, que encontram, entendem e sabem resolver esses problemas”
O especialista ainda diz que existem diversos tipos de leis e regras estruturias para a facilitar a condução com deficiência, mas não são colocadas em prática pelas prefeituras e governos.
O vídeo viral, além de nos mostrar uma infração sendo cometida, também escancara um problema enraizado em nossa sociedade: a falta de estrutura e os obstáculos que pessoas com deficiência e mobilidade reduzida precisam superar diariamente.
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Fonte: Canaltech - Leia mais