A entrada da inteligência artificial generativa no universo da pesquisa de mercado trouxe uma promessa tentadora: agilidade, escala e a possibilidade de simular insights sem depender exclusivamente do campo tradicional. Os dados sintéticos, derivados de grandes modelos de linguagem, estão sendo usados para responder questionários inteiros, recriar perfis de consumidores e gerar padrões de comportamento com base em simulações
De fato, os avanços são impressionantes. Mas é justamente nesse momento de euforia que precisamos fazer uma pausa crítica, porque nem tudo o que pode ser automatizado deve ser tratado como equivalente ao que é vivido
Na Croma, temos explorado com profundidade as possibilidades da IA generativa por meio do nosso instituto. Incorporamos essas tecnologias como ferramenta de apoio, com ganhos reais em velocidade e eficiência. No entanto, seguimos com uma posição clara: o uso de dados sintéticos precisa ser tratado com prudência e responsabilidade metodológica.
Pesquisas de mercado não são apenas sobre respostas, mas sobre contextos. São sobre hesitações, contradições, silêncios e linguagem não verbal. São sobre o que as pessoas dizem, mas também sobre aquilo que elas não conseguem ou não querem expressar com clareza. Os grandes modelos de linguagem ainda não captam esses elementos implícitos. Eles inferem, mas não sentem. Generalizam, mas não vivem a realidade social.
Um dos riscos do uso indiscriminado de dados sintéticos é o reforço de vieses preexistentes. Modelos de IA aprendem a partir de dados históricos e muitos desses dados refletem desigualdades, estereótipos e distorções. Ao simular uma persona, por exemplo, a IA pode perpetuar um padrão enviesado que parece verossímil, mas está distante do comportamento real, especialmente quando falamos de públicos plurais, periféricos e socialmente diversos.
Outro ponto crítico é a desconexão com os códigos culturais. A inteligência artificial pode aprender padrões linguísticos, mas ainda carece de entendimento semiótico mais profundo. A cultura se expressa em gestos, gírias, contradições e rituais, elementos que escapam de qualquer prompt ou probabilidade estatística. A pesquisa é, acima de tudo, uma prática interpretativa e, assim sendo, exige presença humana.
Não se trata de rejeitar a tecnologia. Muito pelo contrário. O que proponho é um modelo híbrido, onde a inteligência humana e a inteligência artificial se complementem; onde a IA seja usada para expandir possibilidades, mas não para substituir a escuta genuína; onde dados sintéticos sirvam como hipótese, mas nunca como verdade final.
A adoção da IA na pesquisa está só começando e isso nos desafia a sermos mais rápidos, mais ousados e mais conectados com a inovação. Contudo, também exige que sejamos mais criteriosos, mais éticos e mais conscientes do que está em jogo quando dizemos que conhecemos o consumidor.
A confiança nos dados nasce da confiança no processo. Portanto, todo processo que ignora o comportamento humano em sua complexidade deixa de ser pesquisa e passa a ser apenas uma simulação de realidade. E, convenhamos, simular não é o mesmo que entender.
Edmar Bulla, fundador da Croma e estrategista de inovação e comportamento.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais