Como todo profissional de tecnologia, tenho acompanhado as diferentes reações e análises que as pessoas têm sobre a Inteligência Artificial. Estas reações partem do otimismo empolgado diante das novas possibilidades da IA à ansiedade provocada pelas indefinições ainda existentes. Existem também aqueles que exploram o medo, com sentenças alarmantes como “seu emprego vai acabar”, “você será substituído pela IA” ou “aprenda a escrever prompts ideais ou ficará para trás”. E há ainda a guerra de narrativas triunfalistas que fazem parte do marketing dos diversos players atuantes com os primeiros serviços lançados.
CALMA! Proponho que analisemos o tema em detalhes e em seus diferentes aspectos, sem ansiedade. Em primeiro lugar, é preciso considerar que, se estamos, sem dúvida, vivendo o início de uma grande revolução tecnológica, não podemos esquecer que, por trás desse entusiasmo, há grandes interesses econômicos envolvidos em um mercado trilionário.
Para ajudar no desenvolvimento de uma visão crítica (sem ser pessimista), é preciso fazer perguntas como:
- Se você tivesse que pagar pelo custo real de uma solução baseada em IA, isso seria economicamente viável?
- Sem os enormes aportes financeiros externos, quanto tempo durariam as atuais empresas de IA se tivessem que viver com suas próprias receitas?
- Seria melhor optar por um modelo open-source na sua infraestrutura ou contratar serviços de terceiros?
Para responder a estas e outras questões que envolvem a IA, devemos partir do princípio de que estamos em uma fase de experimentação neste mercado. Portanto, lembre-se, qualquer plano de negócios baseado apenas no atual estágio da IA corre o risco de se tornar obsoleto rapidamente.
Vamos pensar um pouco sobre as principais dimensões socioeconômicas que envolvem a IA, e não só sobre a ótica da inovação e tecnologia.
Consumo energético
A expansão dos modelos de IA, como GPT-4, vem acompanhada da preocupação com o consumo energético dos datacenters. A demanda crescente por processamento tem resultado em grandes quantidades de consumo de energia e de emissões de carbono, colocando em cheque a sustentabilidade no uso da tecnologia.
Estima-se que os datacenters representam cerca de 3% do consumo total de eletricidade no mundo. Claro que os centros de dados não são utilizados apenas para a inteligência artificial. Mas o fato é que os datacenters para processar modelos de IA consomem em torno de 20 vezes mais do que os dedicados a outros serviços. E, cada vez mais, projetos de novos centros de dados estão sendo planejados e construídos. Segundo estudo da McKinsey, serão necessários cerca de US$ 7 trilhões em investimentos em infraestrutura de datacenters até 2030, sendo US$ 5,2 trilhões apenas para IA. O maior exemplo é o projeto Stargate, que envolve gigantes como OpenAI, SoftBank NVIDIA, Microsoft e Oracle, anunciado no início do governo Trump. Envolvendo investimento inicial de US$ 100 bilhões (e que podem chegar a US$ 500 bilhões), os idealizadores do Stargate tem destacado a sua capacidade de gerar milhares de empregos e inovação no EUA — mas quase nada disseram sobre qual será o impacto ambiental.
A mitigação das emissões de carbono irá passar por uso massivo de energias renováveis e algoritmos mais eficientes. Um exemplo recente foi dado pelo DeepSeek (modelo OpenSource que não depende da mesma capacidade de processamento de seus concorrentes), que por outro motivo (baixos custos) tanto impacto causou na bolsa de Nova York no início de 2025.
Quem paga a conta da IA?
Hoje, os serviços de IA generativa para usuários finais têm preços simbólicos, financiados por grandes investidores como a Microsoft (na OpenAI). Apesar de todo o otimismo (especialmente nas bolsas de valores), o mercado ainda está buscando respostas sobre a equação custos da IA versus resultados de negócios.
A Microsoft inicialmente cobrou US$ 30 mensais por usuário pelo Copilot em sua suite do Office 365, o que representava um aumento de 60% em relação ao plano mais caro sem a inteligência artificial. Choveram críticas sobre este valor. Então a Microsoft adotou um novo modelo baseado em consumo, cobrando poucos centavos por interação, visando facilitar a ultrapassagem da barreira de entrada.
O Google reduziu o preço de sua suíte Workspace com IA (Gemini AI) em cerca de 40% por usuário/mês, embutindo as funcionalidades diretamente no pacote básico para atrair novos clientes. A AWS está oferecendo acesso a um valor acessível para grandes modelos de IA (Anthropic, Meta, Mistral) por menos de um centavo por interação ou contratos por tempo definido. Além disso, oferece uma assistente própria (Amazon Q) a preços competitivos. Há também empresas que tem optado em utilizar seus próprios modelos de IA localmente em seus próprios servidores para redução de preços.
O desafio é balancear preços acessíveis para atrair clientes com os altos custos de processamento. Esta resposta ainda está por vir.
Ética, privacidade, direitos autorais
O Stanford Social Innovation Review aponta para o risco de um campo da IA dominado por empresas privadas que visam o lucro vir a limitar o acesso e a diversidade nos usos sociais da tecnologia. A publicação aponta a necessidade de criação de estruturas colaborativas multissetoriais, como fóruns independentes entre sociedade civil, empresas e governo, para discutir temas de interesse público, como padrões de uso ético, acesso a dados, transparência algorítmica e modelos alternativos de desenvolvimento de IA.
Estão em jogo relevantes questões (para citar apenas algumas):
- Como garantir uma distribuição equilibrada dos benefícios da IA para todos?
- Quem é o autor de uma obra de arte ou música gerada por uma IA? Podemos usar obras protegidas por direitos autorais para treinar uma iA?
- As empresas conseguirão ter o mesmo acesso à inteligência artificial para se manterem competitivas? Ou somente as grandes concentrarão esse poder?
- Quem é o responsável quando a IA comete um erro?
- É ético usar os dados de trabalho de um colaborador para treinar um modelo que irá alimentar um agente com potencial para substituí-lo?
- É ético treinar modelos de IA com dados pessoais?
E como eu vejo e o que eu faço com a IA?
Você deve estar se perguntando: e quais as minhas conclusões e, mais importante, e como utilizo a IA na empresa em que sou CTO — a VERT Capital, um grupo de empresas do mercado capitais, que surgiu atuando na securitização de dívidas e hoje também é gestora e administradora de fundos. Penso que, atualmente, devemos encarar a IA como uma tecnologia para aumentar a eficiência operacional para tarefas que são mais padronizadas e/ou repetitivas.
Com este espírito, na VERT, usamos IA para executar parte do nosso trabalho de desenvolvimento, como um assistente, para acelerar as tarefas do dia a dia e que já nos deu um ganho de eficiência médio de 30% a 40%. No entanto, tudo o que é desenvolvido, é obrigatoriamente revisto por um líder técnico, o que é essencial em um mercado que é fiscalizado por reguladores como CVM e Banco Central. Usamos a IA também no dia a dia das operações para, por exemplo, automatizar tarefas que exigem grande volume de preenchimentos de formulários manuais e extração de dados de documentos não-padronizados. Para a extração de dados, usamos as LLMs, que organizam todo o texto presente nas imagens e arquivos para o formato que precisamos. Fizemos essa solução internamente, e ela pode gerar até 80% de eficiência dependendo do volume de dados trabalhado.
No seu cenário, recomendo que busque filtrar casos de uso que façam sentido com o atual estágio da IA e fique 100% ligado nas mudanças que estão acontecendo no mercado, pois o seu planejamento e seus casos de uso podem ficar rapidamente obsoletos dependendo das evoluções constantes que temos vivenciado.
Resumindo, pela minha experiência o que eu posso dizer, finalmente, sobre IA, é: seja crítico sem pessimismo, procure estudos sólidos, siga projetos abertos e aproveite conscientemente esta transformação. Ah, e o futuro (esperamos!) é open-source.
Tiago Martinelli, CTO da VERT Capital.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais