Recentemente, finalizei minha dissertação de mestrado pela UFPR, com foco em compreender como empresas do setor de serviços de tecnologia estão se adaptando à Indústria 4.0. O estudo analisou dados qualitativos de entrevistas com gestores e documentos corporativos, além de uma revisão sistemática da literatura. A partir disso, foi possível estruturar um modelo com quatro grandes eixos: inovação tecnológica, gestão de serviços, gestão de pessoas e barreiras e desafios.
Dentre os principais achados, um ponto se destacou com força: a cultura organizacional tem sido uma barreira silenciosa, porém poderosa, na adoção de tecnologias emergentes como a Inteligência Artificial. Apesar de muitas empresas estarem tecnicamente preparadas, com infraestrutura e ferramentas adequadas, o maior entrave está nos comportamentos, valores e crenças arraigadas que dificultam a mudança.
Além da resistência à mudança, a pesquisa evidenciou que a ausência de uma cultura voltada à aprendizagem contínua compromete diretamente o sucesso das iniciativas tecnológicas. Empresas que operam sob lógicas rígidas, com baixa autonomia dos times e foco exclusivo em processos tradicionais, tendem a desacelerar ou inviabilizar a integração de tecnologias emergentes. Em vez de enxergar a Inteligência Artificial e outras inovações como ferramentas de ampliação da performance, muitos colaboradores sentem-se ameaçados, justamente por não haver uma cultura que valorize o upskilling, o protagonismo individual e a experimentação orientada a resultados. Essa lacuna cultural, portanto, não apenas retarda a inovação, mas mina a confiança interna nos próprios processos de transformação digital.
Outro achado importante diz respeito ao papel da liderança na formação da cultura. A pesquisa revelou que a liderança tradicional, baseada em controle e aversão ao risco, dificulta a adoção de tecnologias disruptivas, enquanto lideranças digitais — mais abertas ao diálogo, à colaboração e à transparência — conseguem mobilizar os times com maior eficiência. Essa diferença de postura é determinante no modo como a cultura é moldada. Além disso, a falta de indicadores específicos sobre maturidade cultural e readiness digital torna a transformação tecnológica um processo “às cegas” em muitas empresas. Para avançar de fato na Indústria 4.0, é preciso tratar a cultura como parte estruturante da estratégia — não como um elemento paralelo ou intangível
Durante as entrevistas, surgiram falas reveladoras de profissionais com experiência em projetos de tecnologia. Veja alguns exemplos (adaptados para preservar as fontes):
“Muitas pessoas ainda veem automação como ameaça, não como apoio.”
“Existe uma pressão por inovação, mas pouco espaço para testar e errar.”
“Ainda falta clareza sobre como a IA se encaixa na rotina do time — o medo é maior que a estratégia.”
Essas falas ilustram uma realidade comum em muitas empresas: a resistência à mudança cultural muitas vezes bloqueia avanços tecnológicos que já estão maduros para serem implementados.
O paradoxo da IA: tecnologia disponível, cultura indisposta
A Inteligência Artificial foi uma das tecnologias mais citadas na pesquisa — ao lado de IoT, Machine Learning e Cloud Computing. Apesar da clareza sobre seus benefícios, o avanço da IA esbarra em barreiras humanas:
Falta de entendimento sobre seu funcionamento e aplicações reais
Insegurança quanto à substituição de postos de trabalho
Dificuldade da liderança em comunicar objetivos e mitigar receios
Ou seja, não basta adotar IA — é preciso preparar as pessoas para interagir com ela de forma consciente e produtiva.
O que as empresas bem-sucedidas estão fazendo
A análise dos dados revelou que empresas com maior sucesso na implementação da Indústria 4.0 compartilham três práticas-chave:
Criam ambientes de aprendizado contínuo, com foco em capacitação digital
Investem na formação de líderes que saibam traduzir inovação para a prática
Estimulam uma cultura que valoriza a experimentação com propósito
Além disso, alinhamento estratégico entre liderança, cultura e tecnologia é fator decisivo para romper o ciclo de resistência.
Conclusão
A tecnologia avança em ritmo exponencial, mas a cultura ainda caminha em marcha lenta. A verdadeira transformação digital começa dentro das pessoas e se consolida quando a cultura organizacional é preparada, engajada e conectada ao propósito da inovação.
Se a sua empresa está planejando implantar IA, automações ou novos modelos digitais, pergunte-se antes: A cultura da sua organização está pronta para essa mudança?
Aquiles Nogueira, Gerente de Serviços de TI na Positivo Tecnologia, atuando com foco em gestão de operações, transformação digital e inovação em serviços técnicos. Foi reconhecido com o Prêmio HDI Brasil 2023 como Melhor Gerente de Suporte de TI. É Mestre em Administração de Empresas pela UFPR, com MBA em Logística e Supply Chain Management pela FGV-SP, Pós-graduado em Administração da Produção pelo Salesiano-SP e Graduado em Ciências Contábeis pela UFMS.
Algumas Referências que embasaram a pesquisa:
Frederico et al. (2020) – sobre integração entre Indústria 4.0 e Supply Chain
Chiarello et al. (2018) – panorama da Indústria 4.0 e seus desafios
Bonamigo & Frech (2021) – impactos da digitalização no trabalho e nas relações humanas
Jankowska et al. (2023) – barreiras culturais e maturidade digital em empresas
Frank et al. (2019) – servitização e transformação dos modelos de negócios
Brunner et al. (2023) – liderança digital e inovação em serviços
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais