A introdução da tecnologia 5G prenuncia uma revolução na conectividade como a conhecemos, viabilizando velocidades ultra-rápidas e latência mínima. Estudos da IDC indicam que a tecnologia deve movimentar US$ 25,5 bilhões no Brasil até o final do ano, considerando apenas a impulsão de tecnologias como inteligência artificial, Big Data & Analytics, computação em nuvem, segurança, realidade aumentada/virtual, robótica e IoT.
Contudo, o potencial transformador desta tecnologia para operadoras e empresas de telecomunicações, setor que marcou um crescimento de 5,2% em 2024, segundo a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), transcende a mera oferta de incrementos nas capacidades existentes, residindo na habilidade de reconceituar a própria rede como uma plataforma dinâmica para negócios e inovação. A viabilização desse valor essencial depende de um elemento tecnológico fundamental: as Interfaces de Programação de Aplicações (APIs).
Tradicionalmente, as redes de telecomunicações operaram majoritariamente como canais de transporte de dados, com a monetização centrada primordialmente na comercialização de planos de dados e conectividade. A tecnologia 5G, entretanto, representa uma expansão radical dessa perspectiva.
Suas características intrínsecas, como a capacidade de fatiamento da rede (Network Slicing), a computação de borda (Edge Computing) e o controle granular da Qualidade de Serviço (QoS), capacitam as operadoras a prover muito mais do que o simples acesso à rede, elas podem oferecer capacidades específicas da rede sob demanda.
A rede como plataforma
Neste contexto, as APIs assumem um papel central. Ao expor funcionalidades específicas da rede 5G por meio de interfaces seguras e padronizadas, as operadoras convertem sua infraestrutura em uma plataforma programável.
Essa abordagem permite que desenvolvedores e empresas de variados setores requisitem recursos de rede conforme suas necessidades específicas, mediante modelos de pagamento por uso ou planos dedicados, estabelecendo, assim, novas e substanciais fontes de receita para o setor de telecomunicações.
As aplicações práticas dessa abordagem são diversas e abrangentes. No setor de entretenimento, por exemplo, empresas de jogos em nuvem ou metaverso podem solicitar, via API, latência ultra-baixa e banda garantida especificamente durante sessões de uso intensivo ou interações virtuais, assegurando uma experiência superior ao usuário final.
Na área da saúde digital, setor que já aumentou seus investimentos em TI em mais de 40% em 2024, segundo a TechTarget, um hospital poderia requisitar, em tempo real, uma fatia de rede com prioridade máxima e segurança reforçada para procedimentos como cirurgias remotas ou a transmissão de dados críticos de pacientes, garantindo a indispensável confiabilidade.
O espectro de funcionalidades passíveis de exposição via API é amplo, incluindo, entre outras, o controle de latência, a geolocalização aprimorada, a priorização e reserva de banda, o acesso a recursos de edge computing para processamento local, e a implementação de modelos de faturamento flexíveis integrados diretamente às aplicações.
Consequentemente, a monetização pode se concretizar por meio de pagamento por uso (pay-per-use), subscrição de planos que garantem Níveis de Acordo de Serviço (SLAs) específicos, ou por meio de integrações que permitem o faturamento direto ao consumidor final pela aplicação que consome o recurso de rede.
Perspectivas futuras
Entretanto, a viabilidade deste modelo em escala global depende intrinsecamente da padronização. Uma eventual fragmentação, na qual cada operadora exporia suas APIs de forma proprietária e distinta, constituiria uma barreira significativa para desenvolvedores e empresas que almejam criar soluções interoperáveis e universais. Ciente deste desafio, a indústria mobilizou-se por meio da iniciativa Open Gateway, liderada pela GSMA.
Este esforço colaborativo é fundamental para a definição de padrões globais para as APIs de rede. Ao estabelecer um framework comum, o Open Gateway objetiva simplificar substancialmente o desenvolvimento e a adoção comercial dessas novas capacidades, acelerando a inovação em todo o ecossistema.
É inegável que a concretização plena desta visão enfrenta obstáculos. A adoção pelo mercado ainda se encontra em seus estágios incipientes, questões regulatórias demandam navegação criteriosa, e a complexidade inerente à exposição e gestão segura e eficiente destas APIs requer conhecimento especializado e plataformas tecnológicas adequadas. Contudo, a trajetória evolutiva do setor aponta inequivocamente para a transformação da rede em uma plataforma de serviços viabilizada por APIs.
Tony Tascino, CTO da Engineering Brasil.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais