A inteligência artificial (IA) está reescrevendo as regras da gestão operacional, desafiando a relevância de ferramentas tradicionais como SOPs (Standard Operating Procedures), playbooks e frameworks. Durante décadas, esses instrumentos foram sinônimos de controle, eficiência e escalabilidade. Hoje, porém, a velocidade exponencial da IA torna a documentação obsoleta antes mesmo de ser concluída. No desenvolvimento de software, o impacto é ainda mais evidente: frameworks de ontem viram legados em meses, e tentar manter processos atualizados consome recursos que poderiam ser direcionados à inovação. Estamos diante de um novo paradigma, onde a previsibilidade cede espaço à adaptação constante, exigindo das empresas uma reinvenção de processos e da própria liderança.
Tradicionalmente, SOPs garantiam ordem e repetibilidade, mas em um ambiente onde tecnologias evoluem rapidamente, a dependência de documentos rígidos cria inércia. No setor de tecnologia, por exemplo, equipes de desenvolvimento que seguem playbooks fixos para gerenciamento de projetos podem ficar presas a metodologias como Scrum ou Kanban, enquanto a IA sugere abordagens dinâmicas, como sprints adaptativos baseados em dados em tempo real. A tentativa de documentar tudo cria uma falsa sensação de controle, quando, na prática, engessa a capacidade de resposta.
A pergunta inevitável é: estamos tentando impor ordem demais a um ambiente que exige fluidez? Empresas inovadoras estão tratando processos como “software vivo”, sistemas que aprendem, se atualizam e se reconfiguram automaticamente. A Shopify, por exemplo, integrou a IA em sua cultura operacional, incentivando cada colaborador a testar ferramentas, compartilhar descobertas e adaptar fluxos de trabalho em tempo real. Isso transformou seus processos em organismos dinâmicos, alinhados à velocidade das mudanças tecnológicas. Esses tipos de empresas não veem a IA como acessório, mas como infraestrutura essencial, um sistema operacional invisível que permeia decisões e fluxos.
No entanto, a transição para esse modelo enfrenta barreiras significativas. A resistência cultural é um obstáculo: equipes habituadas a processos rígidos podem relutar em adotar abordagens fluidas, temendo perda de controle. Um estudo da Gartner (2023) aponta que que 66% dos CEOs acreditam que seus modelos de negócios ainda não estão prontos para a aplicação efetiva da IA. Além disso, a integração de IA exige investimentos em infraestrutura e capacitação.
As pequenas empresas, com orçamentos limitados, podem achar difícil competir com gigantes que têm recursos para desenvolver algoritmos próprios. Há também riscos: processos excessivamente fluidos podem levar à desorganização, e a automação cega de SOPs, sem supervisão humana, pode gerar erros críticos, como decisões baseadas em dados enviesados. Com isso, a velocidade da IA pode pressionar equipes a priorizar resultados imediatos, sacrificando a estratégia de longo prazo.
A solução está em equilibrar agilidade e estrutura. Em vez de abandonar SOPs, empresas podem transformá-los em conjuntos de princípios adaptáveis, que combinam diretrizes gerais com autonomia contextual. A IA pode ser usada para atualizar processos em tempo real: por exemplo, ferramentas como Copilot, da Microsoft, analisam padrões de código e sugerem otimizações instantâneas, reduzindo o tempo de desenvolvimento. Além disso, líderes precisam fomentar uma cultura de experimentação, onde testar e errar seja parte do processo. A Thoughtworks, consultoria global de tecnologia, adota “playbooks vivos” que evoluem com base em feedback de projetos, permitindo que equipes ajustem fluxos sem depender de manuais estáticos.
A IA está redefinindo não apenas processos, mas o próprio conceito de liderança e organização. Em um mundo onde a velocidade da mudança supera a capacidade de documentar, empresas que se apegam a SOPs rígidos correm o risco de ficar para trás. A nova ordem exige processos como “software vivo”, dinâmicos, adaptáveis e alimentados por IA, e líderes capazes de estruturar o caos sem sufocá-lo. Exemplos como a Shopify mostram que a integração da IA na cultura operacional é o caminho para a competitividade, mas o sucesso depende de superar barreiras culturais, investir em capacitação e equilibrar automação com estratégia. Em 2025, o diferencial não está em controlar o futuro, mas em aprender a surfar suas ondas, desaprendendo, reaprendendo e reconfigurando a cada ciclo. Cabe às empresas decidir: adaptar-se à velocidade da IA ou ser engolidas por ela.
Fabio Seixas, CEO da Softo.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais