Em um contexto de digitalização e clientes cada vez mais exigentes, o setor bancário está diante de um desafio considerável. Instituições que nasceram no mundo offline, com sistemas legados gigantescos, mais do que nunca precisam operar como orquestras afinadas, onde cada instrumento toca em sintonia para criar uma experiência única para cada cliente. Este é o caminho da hiperpersonalização, o próximo nível na relação entre bancos e seus clientes.
Bancos tradicionais carregam décadas de história em seus mainframes. Diferente dos bancos digitais, que já nasceram com base em plataformas tecnológicas mais modernas, as instituições tradicionais precisam integrar volumes enormes de dados históricos (e não raro, fragmentados em diferentes sistemas), para construir uma visão unificada do cliente. É como se cada área do banco fosse um instrumento tocando sozinho.
Porém, a hiperpersonalização exige que todos esses instrumentos se transformem na tal orquestra, onde todas as áreas “tocam” na mesma harmonia quando se comunicam com o cliente. Só assim será possível construir um banco para cada um desses correntistas.
Criando um comitê de interesses
O primeiro passo para evoluir numa lógica de hiperpersonalização é centralizar e integrar os dados da base. Seja construindo um data lake ou utilizando outra solução, o objetivo é garantir que todas as áreas do banco bebam da mesma fonte de informação sobre o cliente. Isso parece óbvio, mas é um imenso desafio organizacional.
E um dos maiores obstáculos para oferecer uma experiência hiperpersonalizada não é técnico, mas humano. Afinal, cada área do banco tem suas próprias metas: a área de cartões quer vender mais cartões, a de crédito consignado quer aumentar seu volume, e assim por diante. Em meio a tudo isso, pessoas podem acabar recebendo um bombardeio descoordenado de ofertas que não fazem sentido para seu momento atual – o que gera atrito e aumenta as chances de perder clientes.
A solução passa pela criação de uma espécie de “comitê”, onde os interesses de cada área são ponderados, mas com o cliente no centro da estratégia. Idealmente, uma área de CX (Customer Experience) é a detentora da visão do cliente e negocia com as demais áreas para definir a melhor abordagem em cada momento. Este entendimento não é trivial, mas vale a pena buscá-lo, pois faz toda diferença no resultado de uma estratégia de hiperpersonalização.
No melhor cenário possível, o banco começa coletando dados de todos os pontos de contato com o cliente: mídias sociais, anúncios, canais online e offline, dados transacionais, produtos contratados, entre outros. Com essas informações, o sistema então identifica padrões e entende quais perfis de clientes contratam cada produto, extrapolando essa análise para toda a base. Em seguida, é feita uma otimização para entender quais clientes devem receber quais ofertas ou comunicações.
Assim, fica estabelecida a propensão de cada cliente em relação a cada produto. Por exemplo, o cliente A pode ser propenso a um upgrade de pacote e a um crédito imobiliário, enquanto o Cliente B seria mais propenso a cartão de crédito e seguro de vida.
Com estes insights, o banco então prioriza as ofertas para cada cliente. No aplicativo, por exemplo, as ofertas são apresentadas em diferentes posições dependendo do perfil. E, à medida que o cliente interage, o sistema as reprioriza em tempo real.
Neste cenário, se o cliente olha uma oferta de crédito consignado, mas não contrata, na próxima vez ela pode aparecer em primeiro lugar. Se o sistema detecta que esse cliente perdeu o emprego, a oferta de crédito imobiliário desaparece imediatamente. Estes exemplos ilustram a visão de um banco para cada cliente, onde ninguém tem um aplicativo igual ao do outro.
Gerenciando o churn
A hiperpersonalização não serve só para vender produtos. Ela é crucial para identificar e reduzir o churn – que é quando o cliente abandona o banco. Quando falamos deste movimento, existem diferentes tipos de churn: o involuntário (conta inativa), o silencioso (cliente que fecha a conta de repente) e o ruidoso (cliente que reclama muito antes de fechar a conta).
Em todos os casos, mesmo o silencioso, o cliente dá sinais antes de sair: diminui o uso do cartão, movimenta menos dinheiro, retira investimentos. Por isso, a área de CX precisa monitorar esses indicadores e, quando necessário, priorizar ações de retenção sobre as de venda.
Se o índice de propensão ao churn estiver alto, o foco passa a ser oferecer benefícios –isenção de anuidade, upgrade de categoria sem custos, melhores taxas para investimentos – em vez de tentar vender mais produtos. É a estratégia de retenção do cliente, de forma hiperpersonalizada.
A diminuição de churn é um dos benefícios da hiperpersonalização, assim como o aumento nas taxas de conversão e redução de risco. Ao direcionar o crédito para quem realmente precisa e tem perfil de bom pagador, o banco aumenta suas concessões enquanto reduz a inadimplência.
Além disso, há o valor da experiência percebida pelo cliente. Quando o banco acerta em suas ofertas, apresentando exatamente o que o cliente precisava naquele momento, ele fortalece seu relacionamento e melhora indicadores como NPS.
Um olhar para o futuro
Ao pensar sobre a próxima fronteira da hiperpersonalização bancária, é impossível não citar os agentes de inteligência artificial (agentic AI). E não me refiro a simples assistentes como Siri ou Alexa, mas conselheiros financeiros inteligentes de fato.
Imagine abrir seu aplicativo bancário e, em vez de preencher formulários de perfil de investidor, conversar com um assistente virtual que conhece seu histórico, saldo, necessidades e, ao mesmo tempo, entende o mercado em tempo real. Esse assistente poderia orientar suas decisões de investimento, analisar oportunidades e riscos, tudo de maneira conversacional, personalizada e fluida.
Usando todo o potencial da IA com responsabilidade, os bancos podem transformar radicalmente a experiência financeira de seus clientes. Por isso, arrisco dizer que o futuro da hiperpersonalização está em construir não apenas um banco diferente para cada cliente, mas um consultor financeiro pessoal inteligente e conectado. E quando se trata de explorar esse potencial, os bancos estão apenas no começo da jornada.
Lyse Nogueira, Customer Advisor do SAS.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais