Esta semana , no epicentro das discussões globais sobre inteligência artificial, uma nova frente de batalha se intensifica: o uso de dados protegidos por copyright – direitos autorais-para treinar sistemas de IA.
O que antes era um debate restrito a advogados e tecnólogos, agora ganha contornos políticos — e geopolíticos.
Na última semana, o Escritório de Copyright dos EUA publicou um relatório técnico de 113 páginas, questionando a legalidade de se utilizar obras protegidas por direitos autorais no treinamento de inteligências artificiais generativas. O parecer, ainda preliminar, foi um golpe direto nas big techs que, até aqui, se amparavam no argumento do “fair use” (uso justo), defendendo que os modelos transformam o conteúdo original ao criar algo novo.
A repercussão foi imediata. Dois dias após o relatório vir a público, a diretora do órgão, Shira Perlmutter, foi demitida pela administração Trump. O timing provocou reações: seria apenas coincidência ou o indício de um alinhamento entre governo e as demandas das grandes empresas de tecnologia?
Esse movimento reforça o cenário de um governo mais permissivo às demandas das big techs — principalmente quanto à necessidade de acesso a dados em larga escala. Em suas recentes contribuições à Casa Branca, empresas como Google, Meta e Microsoft alertaram: sem acesso irrestrito a dados (inclusive protegidos por copyright), os EUA perderão a corrida global de IA para a China. Uma delas foi direta: “Se a gente não puder treinar com esses dados, a China vai”.
E a China? No país asiático, a legislação é mais centralizada e autoritária. A coleta de dados — inclusive de cidadãos — é amplamente permitida para fins estratégicos e de segurança nacional. O governo chinês alimenta suas IA com bases massivas, em parte graças à ausência de barreiras regulatórias como as do Ocidente. É o modelo do “Estado-dono-dos-dados”, que se contrapõe ao modelo “privado com limitações legais” do Ocidente.
Argumentos a favor do uso irrestrito de dados para IA:
- A IA é transformativa e não reproduz o conteúdo original, apenas o utiliza como referência.
- Impedir o uso de dados freia a inovação, beneficiando concorrentes menos regulados, como a China.
- O “fair use” é um princípio flexível e historicamente adaptável à evolução tecnológica.
Argumentos contra:
- Viola direitos autorais de artistas, escritores e jornalistas, muitas vezes sem consentimento nem compensação.
- Cria distorções de mercado e desvaloriza a produção humana.
- O uso de dados sensíveis pode invadir a privacidade, especialmente sem governança clara.
A demissão de Perlmutter pode ser apenas o começo de uma reconfiguração legislativa para pavimentar a expansão da IA nos Estados Unidos — custe o que custar. Enquanto isso, o debate sobre soberania de dados, justiça criativa e regulação responsável seguirá sendo um dos maiores dilemas da era da inteligência artificial.
Num mundo onde os dados são o novo petróleo, a batalha agora é jurídica, política e moral. E como toda corrida tecnológica, quem define as regras tende a ditar o futuro.
Dr. Marcon Censoni A. Lima, médico há 26 anos | Cirurgião oncológico e do aparelho digestivo a Cirurgia robótica; MBA em Gestão Executiva em Saúde ; especialista em Transformação Digital na Saúde – Harvard Medical School.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais