Nos últimos anos tenho notado um padrão curioso no setor de tecnologia: diante da escalada constante das ameaças cibernéticas, os orçamentos de segurança aumentam ano após ano. A cada novo dia, uma nova ameaça, uma nova solução. Empresas investem somas expressivas em tecnologias complexas e sofisticadas, repletas de recursos. No entanto, na prática, conseguem aproveitar apenas uma fração do potencial dessas soluções. Embora esse fenômeno não se restrinja à cibersegurança, é nesse campo que ele é mais notável. É como adquirir um supercarro de última geração e não conseguir sair da primeira marcha.
As causas são diversas: escassez de profissionais capacitados, falhas de planejamento, baixa maturidade organizacional, e, sobretudo, a falta de clareza quanto às reais necessidades do negócio. O resultado é um cenário previsível de frustração: as empresas não conseguem enxergar o retorno sobre o investimento e os fornecedores enfrentam desgaste na relação comercial, minando credibilidade e confiança. Afinal, é preciso entender, definitivamente, que não existe caro ou barato em termos absolutos — existe investimento com ou sem retorno.
No mercado de tecnologia, saturado de produtos avançados e desafiadores por natureza, o cliente não precisa de mais informações técnicas, ele precisa de clareza. Aqui está o valor do vendedor consultivo, capaz de desafiar suposições, provocar reflexões e ajudar o cliente a enxergar seu problema sob diferentes perspectivas. Nesse tipo de venda, saber dizer “não” também é parte do valor entregue. Negar soluções populares, mas inadequadas, pode ser o verdadeiro diferencial. Mais do que vender produtos de tecnologia, é necessário, primeiro, vender confiança.
Um efeito colateral recorrente de processos de venda (ou de compra!) mal estruturados é a fragmentação progressiva dos ambientes de TI, especialmente em cibersegurança. Motivadas por decisões reativas e focadas no curtíssimo prazo, muitas organizações acumulam soluções pontuais e desconectadas. Com o tempo, isso leva à necessidade de “remendos”, ou seja, a incorporação de novas ferramentas de missão específica, geralmente isoladas e com baixa integração. O resultado é um ambiente excessivamente complexo, com alto custo de manutenção, baixa eficiência operacional e uma superfície de ataque significativamente ampliada (levando a outras medidas de contenção). Em contraste, um planejamento estratégico, aliado a um processo de venda consultiva e orientado por visão de longo prazo, favorece a convergência tecnológica: múltiplas funcionalidades reunidas em uma solução unificada, capaz de evoluir com o negócio por meio da simples habilitação de novos recursos. Isso reduz a curva de aprendizado e acelera o ‘time to value’.
Aliás, novas tendências, como a automação extensiva e a hiper integração estão moldando a próxima década da TI corporativa. Nesse cenário, ganha ainda mais relevância o papel do profissional que atua na linha de frente da venda consultiva.
Em resumo, vender tecnologia não é empurrar produto. É entender o cliente e ajudá-lo a evoluir. Mais do que recorrer ao clichê de “vender uma Ferrari”, é necessário, antes de tudo, entender se a Ferrari é realmente o que o cliente precisa e, sobretudo, garantir que ele saiba pilotar (qualquer que seja o carro certo) aproveitando todos os recursos que fazem a diferença.
Rafael Oneda, diretor de Tecnologia da Approach.
Fonte: TI INSIDE Online - Leia mais